“A manipulação de medicamentos em farmácia comunitária e em farmácia hospitalar constitui hoje em dia um domínio de relevância crescente da função farmacêutica” reconhece o Prof. Doutor Carlos Maurício Barbosa, Professor Associado da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto.
Recentemente, a nowScience teve a ideia feliz de organizar um workshop subordinado ao tema “Medicamentos Manipulados – A Prescrição Personalizada em Medicina Veterinária”, iniciativa que se revestiu do maior sucesso. Pessoalmente, foi com pena que, por razões de agenda, não pude aceder ao amável convite dos organizadores para proferir uma das conferências que integraram o Programa.
Correspondendo ao repto que, na altura, a nowScience me lançou, escrevo agora algumas notas da minha experiência pessoal no domínio dos medicamentos manipulados, que, como é sabido, constituem a matéria da disciplina das Ciências Farmacêuticas denominada Farmácia Magistral.
Não obstante a industrialização generalizada da época em que vivemos, os medicamentos manipulados têm assumido uma importância crescente na terapêutica contemporânea, não somente na área da Medicina Veterinária, mas também, e muito especialmente, em Medicina Humana.
Os farmacêuticos comunitários e os farmacêuticos hospitalares são frequentemente solicitados por médicos e veterinários para solucionar problemas decorrentes quer da inadequação dos medicamentos produzidos industrialmente às necessidades farmacoterapêuticas de doentes específicos, quer da inexistência de certos produtos no conjunto dos medicamentos disponibilizados pela indústria farmacêutica. Para tal, recorrem à preparação de medicamentos manipulados, que, de acordo com a legislação em vigor em Portugal, são obrigatoriamente preparados e dispensados sob a responsabilidade de um farmacêutico.
Reconhecidamente, a manipulação de medicamentos em farmácia comunitária e em farmácia hospitalar constitui hoje em dia um domínio de relevância crescente da função farmacêutica, exigindo conhecimentos teóricos e práticos cada vez mais aprofundados e alargados e, muito em particular, capacidade de aplicação desses conhecimentos na resolução de problemas concretos.
Ao longo das duas últimas décadas tenho desenvolvido trabalho nesta área, em estreita colaboração com a profissão, e tenho acompanhado as respetivas tendências internacionais. Nos anos 90 do século passado criei o Centro Tecnológico do Medicamento (CETMED) no seio da Associação Nacional de Farmácias, no âmbito do qual, durante uma década, coordenei uma estratégia global de promoção dos medicamentos manipulados em Portugal, que, entre outros aspetos, incluía a disponibilização de consultoria técnico-científica especializada aos farmacêuticos comunitários e hospitalares. Coordenei também a conceção e elaboração do Formulário Galénico Português, editado em 2001 e aumentado e atualizado em 2005, e promovi a realização de investigação científica no domínio dos medicamentos manipulados, designadamente ao nível do Mestrado em Tecnologia Farmacêutica da FFUP. E ao longo das duas últimas décadas tenho colaborado regularmente com as diferentes associações profissionais na formação especializada de farmacêuticos comunitários e hospitalares.
Como procuro sempre reverter para a FFUP e para os meus estudantes as experiências que trago do exterior, em 2009 criei a unidade curricular (UC) Farmácia Magistral, no âmbito do Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas da FFUP, na sequência da proposta que, na altura, apresentei ao Conselho Científico e da aprovação por parte deste. Nestas circunstâncias, a FFUP foi pioneira na instituição de uma UC especificamente dedicada a conferir competências nesta área.
Como consta do Sigarra, a UC Farmácia Magistral – no presente ano letivo, funcionará no 2º semestre do 4º ano – tem por objetivo proporcionar aos estudantes conhecimentos técnico-científicos e regulamentares aprofundados relativos aos medicamentos manipulados, de modo a conferir-lhes as necessárias competências profissionais na preparação e dispensa destes medicamentos em farmácia comunitária e farmácia hospitalar.
Atendendo ao carácter científico e também profissionalizante pretendido para a UC, considerei imprescindível que a mesma fosse lecionada não somente na FFUP, por mim próprio, mas também em instalações específicas de Farmácia Hospitalar, com a colaboração de farmacêuticos especializados e experientes, tendo em vista promover o contacto dos estudantes com a realidade profissional neste domínio e permitir a realização de trabalhos práticos nas devidas condições, designadamente a manipulação de medicamentos citotóxicos, colírios reforçados, injetáveis intravítreos, medicamentos pediátricos, nutrição parentérica, etc. Por isso, um terço das aulas da UC são realizadas nos Serviços Farmacêuticos do Hospital São João (HSJ), contando com a prestimosa colaboração da experiente equipa de farmacêuticos do HSJ.
Atendendo ao carácter especializado da formação, à complexidade da logística subjacente ao funcionamento da UC (implicando deslocações dos estudantes e minhas entre a FFUP e o HSJ) e às limitações no número de estudantes a receber nos Serviços Farmacêuticos do HSJ, anualmente é aberta uma única turma laboratorial da UC Farmácia Magistral.
Nestas circunstâncias, os estudantes de Ciências Farmacêuticas da FFUP que se interessam pelo tema têm ao seu dispor uma formação especializada, científica e técnica na área da manipulação de medicamentos, que, na sua futura vida profissional, seguramente contribuirá para que, confrontados com problemas concretos, adotem as soluções tecnicamente mais adequadas a cada situação e aliem o cumprimento das exigências regulamentares à preparação de medicamentos manipulados com qualidade, segurança e eficácia.
Carlos Maurício Barbosa
Professor Associado da FFUP